O Caráter de Deus: Atributos “Incomunicáveis”
1.
Introdução
ao estudo do Caráter de Deus
a. Classificação dos atributos de Deus.
i. Quando
falamos sobre o caráter de Deus, percebemos que não podemos dizer ao mesmo
tempo tudo o que a Bíblia nos ensina sobre o caráter dele.
ii. Os
atributos chamados “incomunicáveis” têm sua melhor definição quando dizemos que
são os atributos divinos de que menos participamos.
1. Nenhum
dos atributos incomunicáveis de Deus deixa de ter alguma semelhança no caráter
dos seres humanos.
iii. Vamos
usar então as duas categorias de atributos, “incomunicáveis” e “comunicáveis”,
com plena consciência porém de que não são classificações absolutamente
precisas e de que existe na realidade muita sobreposição entre elas.
b.
Os nomes
de Deus nas Escrituras.
i. Na
Bíblia o nome de uma pessoa é uma descrição do seu caráter.
1.
Da mesma forma, os nomes bíblicos de Deus são
diversas descrições do seu caráter.
2. Em certo
sentido, todas essas expressões do caráter de Deus em termos de coisas
encontráveis no universo são “nomes” de Deus, pois nos dizem algo verdadeiro
sobre ele.
ii. Usando
um termo mais técnico, podemos dizer que em tudo o que as Escrituras dizem a
respeito de Deus usa-se linguagem antropomórfica — ou seja, linguagem que fala
de Deus em termos humanos.
1. Cada
descrição de cada um dos atributos divinos deve ser compreendida à luz de tudo
o mais que as Escrituras nos dizem sobre Deus.
2. Se não
nos lembrarmos disso, inevitavelmente compreenderemos erradamente o caráter de
Deus.
iii. Existe
ainda uma terceira razão para destacar a grande diversidade de descrições de
Deus tiradas da experiência humana e do mundo natural.
1. Essa
linguagem deve-nos lembrar de que Deus criou o universo para que este revelasse
a excelência do caráter divino, ou seja, para que revelasse a glória divina.
iv. A
compreensão do caráter divino segundo as Escrituras deve abrir nossos olhos e
nos permitir interpretar corretamente a criação.
1. É
preciso lembrar que, embora tudo o que as Escrituras nos dizem sobre Deus seja
verdadeiro, não é exaustivo.
2. Deus tem
muitos nomes porque conhecemos muitas descrições verdadeiras do seu caráter com
base nas Escrituras; mas Deus não tem nome nenhum, pois jamais poderemos
descrever ou compreender a plenitude do seu caráter.
c.
Definições
equilibradas dos atributos incomunicáveis de Deus.
i. Os
atributos incomunicáveis de Deus são talvez os mais fáceis de compreender
equivocadamente, talvez porque representam aspectos do caráter divino menos
familiares à nossa experiência.
1.
A primeira parte define o atributo em discussão/
2.
A segunda procura evitar a compreensão equivocada
do atributo, expondo um aspecto de equilíbrio ou contrário associado a esse atributo.
a.
A imutabilidade de Deus, por exemplo, é definida
assim: “Deus é imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e
nas suas promessas; porém, Deus age, e age de modos diversos diante de
situações diferentes”.
b.
A segunda metade da definição procura evitar a
idéia de que imutabilidade significa incapacidade total de ação.
c.
Alguns de fato entendem assim a imutabilidade, mas
tal compreensão é incompatível com a apresentação bíblica da imutabilidade de
Deus.
2. Quais
são os atributos incomunicáveis de Deus:
a.
Independência.
i. Deus não
precisa de nós nem do restante da criação para nada; porém, tanto nós quanto o
restante da criação podemos glorificá-lo e dar-lhe alegria.
1.
Esse atributo de Deus é às vezes chamado
existência autônoma ou aseidade (das palavras latinas a se, que significam “de
si mesmo”).
2.
Deus é absolutamente independente e
auto-suficiente.
b.
Imutabilidade.
i. Deus é
imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas
promessas; porém, Deus age e sente emoções, e age e sente de modos diversos
diante de situações diferentes.
ii. Esse
atributo de Deus é também chamado inalterabilidade.
1.
Evidências
nas Escrituras: no salmo 102, encontramos um contraste entre
coisas que podemos julgar permanentes, como a terra ou os céus, de um lado, e
Deus, do outro.
a.
Deus existia antes da criação dos céus e da terra
e existirá muito depois da destruição dessas coisas.
b.
Deus faz mudar o universo, mas, contrastando com
essa mudança, ele é “o mesmo”.
2.
Será que
Deus às vezes muda de idéia? Se, porém, falamos que Deus é imutável nos seus
propósitos, surpreendemo-nos intrigados diante de passagens bíblicas em que
Deus diz que julgaria o seu povo, mas depois, por causa de orações ou do
arrependimento do povo (ou ambas as coisas), acaba-se apiedando e não condena
como dissera que o faria.
3.
A
questão da impassibilidade de Deus. Às vezes, discutindo os atributos divinos, os
teólogos falam noutro atributo, a saber, a impassibilidade de Deus.
a.
Esse atributo, se verdadeiro, significaria que
Deus não tem paixões nem emoções, mas é “impassível”, não sujeito a paixões.
4.
O
desafio da teologia do processo. A imutabilidade de Deus tem sido negada frequentemente
nos últimos anos pelos defensores da teologia do processo, uma posição
teológica que afirma que o processo e a mudança são aspectos essenciais da
existência genuína, e que portanto, Deus também deve necessariamente mudar com
o tempo, como qualquer outra coisa que existe.
5.
Deus é
ao mesmo tempo infinito e pessoal. Nossa discussão da teologia do processo ilustra
uma diferença comum entre o cristianismo bíblico e todos os outros sistemas
teológicos.
a.
No ensinamento da Bíblia, Deus é ao mesmo tempo
infinito e pessoal: ele é infinito porque não está sujeito a nenhuma das
limitações da humanidade, ou da criação em geral.
b.
É bem maior do que qualquer coisa que tenha feito,
bem maior do que qualquer coisa que exista.
6.
A
importância da imutabilidade de Deus.
a.
De início pode não parecer muito importante para
nós afirmar a imutabilidade de Deus.
b.
A ideia é tão abstrata que talvez não percebamos
imediatamente a sua importância.
c.
Mas a importância dessa doutrina ficaria mais
clara se parássemos um instante para imaginar o que aconteceria se Deus pudesse
mudar.
c. Eternidade.
i. A
eternidade de Deus pode ser definida assim: Deus não tem princípio nem fim nem
sucessão de momentos no seu próprio ser, e percebe todo o tempo com igual
realismo; ele, porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo.
ii. Às vezes
essa doutrina é chamada doutrina da infinitude de Deus com respeito ao tempo.
iii. Ser
“infinito” é ser “ilimitado”, e a doutrina ensina que o tempo não impõe limites
a Deus.
1. Deus é eterno no seu próprio ser. O fato
de Deus não ter princípio nem fim está explícito em Salmos 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem
a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus”.
a. Do mesmo
modo, em Jó 36.26, Eliú diz sobre Deus: “...
o número dos seus anos não se pode calcular”.
b. A
eternidade de Deus é também afirmada por passagens que abordam o fato de que
Deus sempre é ou existe.
c. “Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus,
aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-poderoso” (Ap 1.8; cf. 4.8).
2. Deus percebe todo o tempo com igual realismo. É em
certo sentido mais fácil para nós compreender que Deus percebe todo o tempo com
igual realismo.
a. Lemos em
Salmos 90.4: “Pois mil anos, aos teus
olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite”.
3. Deus percebe os acontecimentos no tempo e age no
tempo. Todavia, dito isso, para evitar uma compreensão equivocada é preciso
completar a definição da eternidade de Deus: “... ele, porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo”.
Paulo escreve: “... vindo, porém, a
plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a
lei, para resgatar os que estavam sob a lei” (Gl 4.4-5).
4. Sempre existiremos no tempo. Será
que algum dia participaremos da eternidade de Deus? Especificamente, no novo
céu e na nova terra que hão de vir, será que o tempo ainda existirá? Alguns
supõem que não.
a. E lemos
nas Escrituras: “A cidade não precisa nem
do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou,
e o Cordeiro é a sua lâmpada [...] porque, nela, não haverá noite” (Ap
21.23, 25; cf. 22.5).
d.
Onipresença.
i. Assim
como Deus é ilimitado ou infinito com respeito ao tempo, também é ilimitado com
respeito ao espaço.
ii. Essa
característica da natureza de Deus é chamada onipresença divina (o prefixo
latino o[m]ni- significa “tudo”).
iii. A
onipresença de Deus pode ser assim definida: Deus não tem tamanho nem dimensões
espaciais e está presente em cada ponto do espaço com todo o seu ser; ele,
porém, age de modos diversos em lugares diferentes.
1. Deus está presente em todo lugar. Há,
porém, determinadas passagens que falam da presença de Deus em toda parte do
espaço.
a. Lemos em
Jeremias: “Acaso, sou Deus apenas de
perto, diz o SENHOR, e não também de longe? Ocultar-se-ia alguém em
esconderijos, de modo que eu não o veja? — diz o SENHOR; porventura, não encho
eu os céus e a terra? — diz o SENHOR” (Jr 23.23-24).
b. Deus
aqui repreende os profetas que pensam que suas palavras ou pensamentos ficam
ocultos de Deus. Ele está em todo lugar e enche o céu e a terra.
2. Deus não tem dimensões espaciais. Embora
para nós pareça necessário dizer que todo o ser de Deus está presente em toda
parte do espaço, ou em cada ponto do espaço, é também necessário dizer que Deus
não pode ser contido por espaço nenhum, por maior que seja.
a. Salomão
diz na sua oração a Deus: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os
céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu
edifiquei” (1Rs 8.27).
3. Deus pode estar presente para punir, sustentar ou
abençoar. A idéia da onipresença de Deus às vezes perturba as pessoas, que se
perguntam como Deus pode estar presente, por exemplo, no inferno.
a. De fato,
não é o inferno o oposto da presença de Deus, ou a ausência de Deus?
b. A
dificuldade pode ser resolvida pela percepção de que Deus está presente de
modos diversos em lugares diferentes, ou de que Deus age diferentemente em
locais distintos da sua criação.
e.
Unidade.
i. A
unidade de Deus pode ser definida desta forma: Deus não está dividido em
partes; porém percebemos atributos diversos de Deus enfatizados em momentos
diferentes.
1. Esse
atributo de Deus é também denominado simplicidade divina, empregando simples no
sentido menos comum de “não complexo” ou “não composto de partes”.
2. Mas como
a palavra simples hoje tem o sentido mais comum de “fácil de compreender” e
“simplório ou insensato”, é mais proveitoso agora falar da “unidade” de Deus em
vez da sua “simplicidade”.
REFERENCIA
Teologia
Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova. Parte 2 - A Doutrina de Deus – p.
98 – 359
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